segunda-feira, 28 de junho de 2010

"A IRONIA NO CONTO A CARTOMANTE DE MACHADO DE ASSIS"

“A IRONIA NO CONTO A CARTOMANTE DE MACHADO DE ASSIS”


LEODINEIA GISETE BOCATO[1]



“(...) Há mais cousas no céu e na terra
do que sonha a nossa filosofia (...)”[2]

Com esta passagem de Shakespeare, iniciamos uma analise do Conto A Cartomante e os elementos Realistas que os constituem, dentre eles daremos preferência a ironia.
Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) nasceu no Estado do Rio de Janeiro filho de um pintor mulato e de uma lavadeira açoriana, apresentava uma saúde fraca desde a infância humilde, aos dezessete anos entrou na Impressa Nacional como aprendiz de tipógrafo. Na década de 60 escreve suas primeiras comedias, em 1881 publica Memórias Póstumas de Brás Cubas atingindo a maturidade de seu realismo.[3]
O conto A Cartomante nos traz uma narrativa com a marca “clássica” de ironia machadiana. Um triângulo amoroso envolvendo dois amigos de infância: Camilo o qual o narrador classifica como um ingênuo na vida moral e prática que exerce a função de funcionário público: Vilela advogado formado na província que retorna ao Rio de Janeiro para exercer a advocacia e traz consigo Rita, sua esposa “dama formosa e tonta”.
Vemos que ironia esta presente desde a apresentação das personagens:

“(....) Vilela, Camilo e Rita, três nomes, uma aventura e nenhuma explicação das origens. Vamos a ela. Os dois primeiros eram amigos de infância. Vilela seguiu a carreira de magistrado. Camilo entrou no funcionalismo, contra a vontade do pai, que queria vê-lo médico; mas o pai morreu, e Camilo preferiu não ser nada, até que a mãe lhe arranjou um emprego público. No principio de 1869, voltou Vilela da província, onde casara com uma dama formosa e tonta, abandonou a magistratura e veio abrir banca de advogado. (...)” (s/d:40)

Em seu trabalho Teoria do Texto[4] D’Onofrio nos explica como ocorre a ironia de Machado de Assis:

“(...) A ironia, como figura de estilo é um metassemema ( figura de sentido), que consiste em dizer o contrario daquilo que se esta pensando.(...)” (2001: 127).

Verificamos a ironia machadiana presente nas palavras do narrador ao dizer que não há nenhuma explicação da origem do triângulo amoroso entre Rita, Vilela e Camilo, o narrador utiliza-se da expressão “nenhuma explicação”, como se fosse uma coisa impossível de acontecer, dá a intenção de não conhecer a historia usa de malicia para despertar no leitor o interesse pelo relato.
No decorrer da história volta a ironizar a condição de Camilo considerando “sem experiência, nem intuição” (s/d: 40), como se este não conhecesse nada da vida. D’Onofrio caracteriza esse tipo de “ironia como disposição de espírito provocada pela reflexão sobre as contradições da alma humana e do convívio social”[5].
O narrador brinca com o leitor ironizando a condição da personagem Camilo que se apaixona por Rita, não parando por aí continua sua sagacidade, ironiza inclusive a morte, com o falecimento da mãe de Camilo faz a seguinte descrição; “(...)Vilela cuidou do enterro dos sufrágios e do inventario; Rita tratou especialmente do coração, e ninguém o faria melhor. (...)” (s/d:41).
No desenrolar da narrativa o narrador utiliza-se de ditados populares para descrever o envolvimento de Rita e Camilo e a falta de remorso de ambos para com Vilela:

“(...) vexame, sustos, remorsos, desejos, tudo sentiu de mistura; mas a batalha foi curta e a vitória delirante. Adeus, escrúpulos! Não tardou que o sapato se acomodasse ao pé, e aí foram ambos estrada a fora, braços dados, pisando folgadamente de ervas e pedregulhos, sem padecer nada mais que algumas saudades, quando estavam ausentes um do outro. (...)” (s/d: 41).”

D’Onofrio esclarece que o narrador tenta explicar com suas palavras os sentimentos e pensamentos das personagens.
Recorremos ainda a Amaury Sanchez[6] em Panorama da Literatura no Brasil que classifica a ironia machadiana como:

“(...) Assim, a ironia, seu procedimento mais sistemático, mostra que a defasagem entre convicções e ação não provoca nenhum tipo de tensão nos indivíduos e é precisamente aí que esta a raiz do comportamento hipócrita que tanto caracteriza as pessoas e a sociedade. (...)” (1982:43).

Podemos ver que o narrador machadiano trata dos sentimentos e do relacionamento das personagens Camilo e Rita com uma certa poesia, revelando que nenhum dos dois sentia remorso pelo amigo e marido Vilela, apesar do medo da sociedade e do marido traído deixaram todos os escrúpulos de lado e continuaram estimando Vilela.
No conto A Cartomante o narrador ironiza a condição da família até mesmo a ignorância quanto a fé religiosa e as crendices populares, quando a personagem Camilo deixa de ser cético e passa a acreditar na cartomante como uma entidade capaz de adivinhar o que se passa em sua vida, o narrador ironiza e brinca com a “verdade” exposta pela cartomante e a fé de Camilo nesta:“(...) Em verdade, ela adivinhara o objeto da consulta, o estado dele, a existência de um terceiro, porque não adivinharia o resto? O presente que se ignora vale o futuro.(...)” (s/d:43).
Com esta ironia o narrador propõe a derrota de Camilo, pois no momento em que este deixa a subjetividade tomar conta de seu racional a personagem retorna a um novo estado de confiança acreditando que seu relacionamento com Rita jamais será descoberto pelo marido traído.
Nesta situação que o narrador machadiano brinca com o pessimismo da personagem acrescentando um tipo de humor funesto conforme podemos extrair de Teixeira [7] :

“(...) Diante do caos da existência, o riso apresentava-se-lhe como um modo de suspender o desejo para melhor observar e compreender a humanidade. Decorreu daí um dos principais traços de seu espírito, a ironia que é o riso dividido, pelo excesso de lucidez entre o desencanto e o cinismo. (...)” (1998:04).

O final do conto sugere o desmascaramento da cartomante como entidade retentora de poder, pois o previsto por ela não acontece e as personagens Rita e Camilo são assassinadas por Vilela, contrariando todas as previsões da cartomante.
Machado de Assis propõe uma critica a sociedade e crenças populares que buscam explicar e adivinhar o futuro, sua narrativa aberta deixa ao leitor a tarefa de fazer o julgamento, essa característica é tratada por Antonio Candido [8] como sendo um “estilo refinado”, o que é uma ousadia para a época em que escreveu Machado:

“(...) foram a sua ironia e seu estilo, concebido como “ boa linguagem”. Um dependia do outro, esta claro, e a palavra que melhor reúne para critica do tempo talvez seja finura. Ironia fina estilo refinado, evocando as noções de ponta aguda e penetrante de delicadeza e força juntamente. (...)” (1995:22).

Esse é Machado de Assis irônico ao extremo não só com a sociedade em que vivia em sua época mas até os dias aturais.


BIBLIOGRAFIA

ASSIS, Machado. Contos escolhidos; A Cartomante s/d.
BOSI, Alfredo. Historia Concisa da Literatura Brasileira, São Paulo. Cultrix, 1994.
CANDIDO, Antonio. Esquema de Machado de Assis. 3ª ed. São Paulo: Duas Cidades, 1995
D’ONOFRIO, Salvatore. Teoria do Texto. 2ª ed. São Paulo: Ática, 2001.
SANCHEZ, Amaury. Panorama da Literatura do Brasil. São Paulo: Abril Educação, 1982.
TEIXEIRA, Ivam. Apresentação de Machado de Assis. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

[1] Graduanda do curso de Letras UNEMAT Parceladas
[2] Hamlet. In Assis , Machado “Contos Escolhidos”: A Cartomante.
[3] BOSI, Alfredo. “Historia Concisa da Literatura Brasileira”. In O Realismo: São Paulo. Cultrix, 1994.
[4] D’ONOFRIO, Salvatore. Teoria do Texto. 2ª ed. São Paulo: Ática, 2001.
[5] D’ONOFRIO: 128
[6] SANCHEZ, Amaury. Panorama da Literatura no Brasil. In: Realismo, Naturalismo, Parnasianismo. São Paulo: Abril Educação, 1982.
[7] TEIXEIRA, Ivam. In. Introdução: Apresentação de Machado de Assis. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
[8] CANDIDO, Antonio. Esquema de Machado de Assis. In: Vários Escritos 3ª ed. São Paulo: Duas Cidades, 1995.

5 comentários:

  1. Leo..q saudade da sua escrita: fina, certeira, decidida!
    saudades.
    parabens pelo texto.
    parabens pelo blog.
    amo-te.
    Bjs

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  2. Que delícia poder ler essa análise feita por você, Leo!
    Me sinto feliz e orgulhosa por ter conhecido você e pelos anos que passamos juntas em nossa formação!
    Parabéns pelo texto!
    Tudo de bom!

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  3. Que delícia poder ler essa análise feita por você, Leo!
    Me sinto feliz e orgulhosa por ter conhecido você e pelos anos que passamos juntas em nossa formação!
    Parabéns pelo texto!
    Tudo de bom!

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  4. Que delícia poder ler essa análise feita por você, Leo!
    Me sinto feliz e orgulhosa por ter conhecido você e pelos anos que passamos juntas em nossa formação!
    Parabéns pelo texto!
    Tudo de bom!

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