POETA DO MUNDO... MULHER DO MUNDO: POESIA DE PERSONA
LEODINEIA GISETE BOCATO*
A poeta Lucinda Persona inicia sua poesia com o título “DESLIZAM GATOS”, nos remete a pensamentos míticos e nebulosos o verbo ‘deslizam’ no pretérito perfeito, faz uma alusão a volta ao passado que interferiu na história e promoveu causa e efeito na humanidade, segundo dicionário de símbolo o gato ‘é um símbolo ambivalente” ( 1990:p. 105), a figura do gato envolve um mistério desde a antiguidade como figura referenciada que possui sentido ambíguo, no oriente é figura de mal agouro e no ocidente é representação da deusa Bastet protetora dos lares, das mãe e das crianças.
Percebe-se o gato como representação da mulher que Lucinda Persona ocupa em sua poesia, mulher que observa e vive o cotidiano, que faz reflexão de coisas do dia-a-dia, das grandes cidades, isto é o diferencial de Persona, que embora poeta Mato grossense possui poesia de teor universal, não ligada a regionalismos.
Persona utiliza-se da palavra para descrever e criar imagens cotidianas que se transfiguram em aspectos da alma humana, conforme sugere Cocco: “... eu poético, parte de uma situação trivial a uma aventura reflexiva a cerca da sua existência.” (2005: p.153). Esse aspecto é detectável logo na primeira estrofe de ‘Deslizam Gatos’.
Horrivelmente casuais
são certos ensinamentos
aprendo
em vários momentos
como age a vida
A composição da estrofe embora com ritmos entoados por ‘ensinamentos’ e ‘momentos’, apresenta uma subdivisão em forma de enjambemant que separam os dois termos e ao mesmo tempo liga a explicação de como ocorre o ‘ensinamento’. No final da estrofe vemos uma símile de comparação ‘como’ que liga a estrofe seguinte, semanticamente dá-nos a idéia de uma expressão da alma ou do eu - poético em como é difícil aprender e amadurecer e isto está intimamente ligado ao fato de estarmos presos a uma cidade ou sociedade:
nesta cidade
onde tantos foram queimados vivos
não há sequer sombra
de que a alegria possa existir
Na construção ‘a vida age’ em um determinado espaço um lugar que se instala através de imagem de um passado, este lugar é marcado pelo advérbio de lugar ‘onde’, que situa o eu – poético em seu devaneio.
A alegria para o eu – poética é uma coisa inimaginável, pois alegrar-se significa lembrar-se de martírios e sofrimentos da alma.
A construção da poesia prossegue:
tudo é tão antigo
são de mármore as almas
Apolo (com seu pênis de pedra)
vive à custa do rígido contorno
de sua calma
uns poucos transeuntes
estão para sempre presos
em seus itinerários
Recorremos agora ao conceito de imagem proposto por Bosi “o ato de ver apanha não só a aparência da coisa, mas alguma relação entre nós e essa aparência” (2000: p.19).
Persona utiliza-se da construção de sentidos com imagens captadas através da visão surrealista do eu - poético, tenta reconstruir um quadro de sua angustia é como uma artífice trabalha com a palavra as imagens que devoram seu interior, usa de metáforas, ‘são de mármore as almas’, expressam o frio de seu interior. A terceira estrofe ‘Apolo (com seu pênis de pedra)’ produz uma digressão sonora, semanticamente a expressão da dureza do ‘real’, Apolo é posto como um reprodutor sem sentimentos, frio, parado, estático com sua ‘calma’.
O eu – poético nos três últimos versos da estrofe não vê saída, tudo está para sempre preso aos caminhos o qual chama itinerários. Cocco nos faz pensar a questão do tempo “o que sobressai é o tempo psicológico. Não é possível precisar o tempo de devaneio do eu lírico e, por mais que os poemas sejam curtos, a sensação que se tem é de infinitude.” (2005: p. 153) é o que vemos na estrofe seguinte:
e o tempo
sem pressa
desmancha o coliseu
Vemos que o tempo poético é o único vitorioso que consegue desmanchar todas as mágoas e conflitos do eu – poético, o tempo é eterno.
Persona utiliza-se ainda de alegoria e humanização do ‘dia’:
o dia esta quase morto
nestas ruínas
por onde deslizam gatos
O devaneio está se findando, as ruínas continuam, ruínas em que deslizam gatos, que personificam os pensamentos ou a existência do eu – poético. A figura do gato que anda por todos os cantos da existência feminina é uma figura mítica com olhos que corroem, ‘olhos de calcário’, mais uma vez a poeta utiliza recursos metafóricos provocando uma sinestesia:
com olhos de calcário
cidade dos martírios
seus tumores cresceram
e agora são colinas.
A reflexão do eu – poético vai se perdendo no tempo e na construção das metáforas, a cidade é um lugar de dores, que esconde temores da alma que cresceram tanto que são quase palpáveis e se tornam colinas, visíveis aos olhos sensíveis do eu – poético.
O devaneio se finda, mas a poesia de Persona é eterna, seu estilo contemporâneo contempla toda existência do ser com seu trabalho elaborado com as palavras, essa é Persona, essa é a representação da mulher Mato grossense e por que não dizer da mulher do mundo...
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. 6ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
COCCO, Marta Helena. O ensino da Literatura Produzida em Mato Grosso: Regionalismos e Identidades. Cuiabá: Cathedral Publicações, 2006.
LEXICON, Herder. Dicionário de Símbolos. São Paulo: Cultrix, 1990.
MAPAS DA MINA: Estudos de Literatura em Mato Grosso/ Mário Cezar Silva Leite (org). In Marta Helena Cocco: Culinária Poética em Lucinda Persona: Um Banquete de Imagens. Cuiabá: Cathedral publicações, 2005.
PERSONA, Lucinda Nogueira. Sopa Escaldante. Rio de Janeiro: 7Lettras, 2001.
* Acadêmica do Curso de Letras Licenciatura Plenas Parceladas Campus do Médio Araguaia Núcleo Pedagógico de Confresa – MT, disciplina Literatura Mato grossense sob orientação da Profª.Ms. Renata Brandespin Rolon.
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