As coisas não têm sido fáceis... pensava que me afastando te esqueceria mais facilmente... ledo engano...
Agora me lembro muito mais que antes... Fico ansiosa para te encontrar e nem mesmo sei o que falar... Idiotice a minha... sonho com o dia que te encontrarei..., mesmo que não tenha o que dizer..., tenho certeza que nos comunicaremos..., com gestos ou quem sabe um olhar que seja...
Os anos se passaram...
Já são quase nove...
A memória continua fresca e clara..., sinto os cheiros...,
O toque do vento morno da noite que te conheci...
Cerro os olhos e as imagens bailam em minha mente... no meu corpo todo..., como se eu bailasse com elas... Lembranças.
O céu continua estrelado... minha alma esta hoje um pouco apagada... opaca... sobrevivendo... mergulhada nas lembranças... incertezas ter ou não... tomado decisões acertadas...
Quase nove anos se passaram...
Ou devo dizer somente oito... hoje... noite indecisa de março... tão diferente da noite brilhante, redonda e quente de novembro em que nos encontramos casualmente... ficando ligada a você para a eternidade...
Não consigo te esquecer um só segundo... seu reflexo está no espelho dos meus olhos e na imensidão de minha saudade...
...
- O que você vai fazer hoje?
- Não sei, o que tem para gente fazer, to meio cansada... acho que de não fazer nada legal, nem encontrar ninguém diferente pra conversar.
- Tem uns amigos do Beatle que vão chegar... você podia vir com a gente na Seresta, para fazer companhia, a Vivi vai. Cadê a Linn?
- Ta na fazenda, vou pra lá amanhã à tarde.
- Então vamos sair hoje, vai ser bom...
- Legal... quem sabe eu vou... vou pensar.
- Pensar nada, a gente te pega ás 10...
- Não precisa, vou sozinha e encontro vocês na churrascaria.
- Te espero até as 10 se você não for, vou te buscar, vê lá em!
- Tá bom... eu vou... quem sabe me distraio, a Linn e o trabalho tem tomado meu tempo... tchau...
...
Deveria ter corrido deste convite...
Já estava cansada do trabalho... fraldas... mamadeiras... passeios...cadernos... caneta... P... F... média...exercícios... giz... apagador... explicações... verbos... risadas...
Quase seis horas da tarde... calor infernal... cerveja gelada me faria descansar mais depressa naquela sexta-feira... dia de Todos os Santos... véspera de Finados... devia ter entrado no clima... previsto minha sentença... perdida no infinito do universo... morte...
Arrumei-me displicentemente... vestido laranja de fivela na cintura baixa... cabelos molhados... sandália confortável... dançar se o papo fosse maçante...
Os amigos do Beatle deveriam ser velhos como ele... de cabeça branca... legal... mas eu...“só tenho 24 anos, pode faltar papo...” pensei enquanto fechava a porta.
Caminhei pela rua... desci a ladeira de chão batido... iluminada pela lua e as estrelas...
Escutei ao longe o som do ritmo quente... forró...“Quando será que teremos energia 24 horas...” avistei a churrascaria e a agitação... lotado... Mary e Vivi em uma mesa perto da clareira que servia de pista de dança... Já estavam bebendo e falando alto...
- Olá!
- Já ia te buscar, você estava demorando.
- Ainda é cedo...
- Esse aqui é o Luiz e este é o Vincente, trabalham com o Beatle...
- Oi, sou Lilith, muito prazer.
- Senta aqui.
- Obrigada, a festa tá animada heim.
- Tá! Mais aqui é muito quente.
- É, seu nome é? desculpe o som estava alto, não entendi direito.
- Vincente, você é Lilith né, você trabalha com a Mary?
Só acenei a cabeça em resposta. Já estava com o copo de cerveja nos lábios.
Talvez seria este o momento... deveria escapar... mas não senti perigo... nem um arrepio... uma premunição não... fui ingênua... não percebi a armadilha...
Tarde demais...
- É a primeira vez que você vem ao Xingu?
- Sim, cheguei há pouco tempo... Me formei agora...
- Formou em que?
- Veterinária. Você é casada?
- Não, mas tenho uma filha a Linn. Dodói do Beatle. E você?
- Sou noivo... Não adianta mentir a marca da aliança sempre aparece.
- Mentir não é bom, pra ninguém...
A mentira só dói quando se descobre a verdade... quando já é tarde demais... Dançamos... bebemos... conversamos... sorrimos... brincamos... bebemos... bebemos... o dia amanheceu... tão rápido... tempo passou... tudo parece confuso... não sei se pela alegria do momento ou pelo efeito do “bebemos”...
No clarear do dia... a melhor sensação que pude viver... o gosto mais gostoso... a maciez dos lábios mais gostosos... tocaram os meus... O beijo ...
O toque das mãos nos meus ombros... o acariciar dos meus cabelos... o toque na minha pele... um choque elétrico a percorrer o meu corpo... uma angustia de morte... a explosão da vida como a luz que começava a raiar o dia...
Exaustão...
- Você vai ao lançamento da campanha?
- Que horas será?
- Ás oito...
- Só dá tempo de tomar um banho, já é quase sete...
- Eu passo pra te pegar.
- Ta, onde vai ser?
- Na fazenda.
- Ta bom...
O destino me deu mais uma chance de fugir... já era tarde... sem saber a semente já havia sido lançada... estava envolvida em êxtase...
A água descia pelo meu corpo me deixando desperta... lavando o cansaço da noite suicida... tirando o sono que pesava nas pálpebras dos meus olhos... meu corpo reagia... minha mente... só desejava ter mais alguns instantes de companhia... Essa foi minha perdição...
O carro parou... entrei... mal nos falamos... nos despedimos... um simples “tchau”... intuição de novo falhou... ele se foi para o descanso do seu lar... pude finalmente dormir...
Um apagamento temporal... Esqueci das coisas boas daquela noite... por medo de querer mais... de acordar no meio da noite e desejar fazer de novo... ver que foi apenas uma aventura... de novo estava sozinha... comecei um mergulho em águas turvas...
Ele voltou tão rápido quanto partiu... uma semana depois... com uma novidade maravilhosa...
-Virei aqui a cada quinze dias... vou trabalhar aqui perto... poderei te ver sempre...
De repente me dei conta de como senti saudades dele, que ansiei todas as noites pelo seu beijo... pelo seu toque... dessa vez não teve festa ficamos os dois sozinhos trocando carinhos e planos de encontros...
- Hoje não dá para dormirmos juntos Vincente, deixa para a próxima vez.
- Porque?
Porque uma afirmação sempre vem seguida de uma pergunta... e a resposta sempre é em vão... no momento de prazer... nada que é dito é entendido...
O aviso foi em vão... Deixei-me envolver pelas caricias... Esqueci-me da situação. Mais uma noite... maravilhosa e estrelada... em que só importava o céu visto da janela aberta... mais vagarosamente conheci a fronteira do céu com o inferno... pois eles são divididos por uma parede e meia, bem fina...
Senti um estremecimento na hora de sua partida... meu coração sentiu um arrepio de gelo, minha cabeça agitou-se num misto de alegria e desespero pelo reencontro. Os dias demoraram a passar... grilos começaram a incomodar minha cabeça... meus pensamentos... meus estomago ficou pesado e minha boca amargou...
Contei para o Beatle minha alegria, e as promessas de reencontro.
A verdade então apareceu...
- Ele é casado e tem uma filha.
Senti ódio... vontade de matá-lo... a verdade dói... maltrata... principalmente quando não se pode remediar. Mas a vingança pode ser saborosa... um novo namorado... aquele que já estava me paquerando... mais era tão novinho... só esperarei quinze dias... e o ferirei como ele me feriu.
Decisões erradas...
Problemas para a vida toda...
No dia marcado... um encontro marcado... destinos mudados...
Uma companhia e a agonia...Vê-lo e ouvi-lo circulando minha casa implorando para se explicar...e eu com o gatinho trocando falsos carinhos... fazendo-o acreditar que por um momento eu iria amá-lo... Decisão errada... escolha infeliz... o bem já estava feito... e eu ingênua pensei que podia me salvar de um amor que era impossível... o medo não deixou que eu pudesse ser feliz... o pecado estava personificado em mim a destruidora de lares... assumi toda a culpa e fugi... resolvi assumir todas as conseqüências sozinha. Me escondi...Não deixei que ele me visse mais...
...
Um ano... um reencontro... de longe...brincando...
Tristeza e a incerteza de ter feito a coisa certa... será que agi corretamente?
Na rodoviária... surpresa... seis horas da manhã... uma mão em meu ombro... um toque... Fez-me arrepiar... não precisei virar para reconhecer... cerrei os olhos... viajei nas lembranças... em minhas tristezas de solidão.
...
- Oi...
- Oi...Tudo bem?
- Vim trazer uma encomenda para você levar...
- Como você sabia que eu iria hoje.
- O Beatle ligou...
- Bom...
...
- E o bebê?
- Menino...nasceu em agosto... tem três meses, quase quatro... olhos azuis...Tenho foto... esta na mala não dá para tirar...
Vi tantas perguntas no fundo de seus olhos azuis... ficaram apenas no silêncio de nós dois sentados lado a lado num banco de rodoviária...
* LÉO BOCATO :Conto escrito em 16/03/2006 concluído às 1:40 (madrugada solitária)
Nenhum comentário:
Postar um comentário